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“Aumento de penalidades não trará menos acidentes”, diz especialista
Por Redação Portal
Pereira pontuou que engenharia de tráfego, melhoria na infraestrutura, investimento em corredores de ônibus e ações de conscientização são importantes aliados.
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Com o aumento de 67% no número de acidentes registrados apenas nos primeiros três meses deste ano em Campo Grande, o professor universitário e especialista em trânsito Carlos Alberto Pereira salientou que apenas aumentar a imposição de multas e penalidades aos condutores infratores é insuficiente para reduzir o número de colisões e vítimas.
Ao Correio do Estado, Pereira pontuou que engenharia de tráfego, melhoria na infraestrutura, investimento em corredores de ônibus e ações de conscientização são importantes aliados para reduzir os conflitos e as mortes no trânsito, sobretudo, dos casos que envolvem motociclistas.
“É preciso uma humanização do trânsito, não basta apenas que a via esteja bem estrutura e sinalizada, é importante que o condutor se sinta destinatário dessa infraestrutura”, afirmou.
Perfil – Carlos Alberto Pereira
Graduado em Direito pela Unigran, especialista em Direito Público e Estudos Multidisciplinares de Trânsito (UCDB) e mestre em Desenvolvimento Local (UCDB).
Hoje, segue como coordenador do curso superior de Educação e Segurança no Trânsito na Uniderp. Ingressou na carreira militar em 1982 e foi promovido ao cargo de coronel em 2005. Foi assessor militar junto ao Detran-MS, de 1995 a 1997, e assumiu o comando da Cia.
Independente de Polícia Militar de Trânsito de Campo Grande em 1998. Em 2004, assumiu a Superintendência de Políticas de Segurança Pública da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), em Campo Grande. Foi diretor de Trânsito da Agetran e membro da Comissão de Trânsito da OAB-MS.
Em que patamar o senhor considera que esteja Campo Grande hoje quanto ao trânsito? Estamos caminhando para um fluxo de qualidade ou para o aumento de tráfego lento?
Campo Grande, como as demais cidades brasileiras, sente a retomada no desenvolvimento econômico e, por consequência, há um aumento acentuado no volume de veículos e na necessidade de investimentos em mobilidade urbana.
Durante os dois anos de pandemia de Covid-19, nós tivemos oportunidade de realizar esses investimentos, e a não ocorrência deles leva a uma situação de agravamento das condições de uso das vias.
Nós notamos também uma mudança de perfil, com o acentuado aumento do uso do transporte individual motorizado, até mesmo por causa de uma atividade que se destacou na pandemia e deverá permanecer, que são as entregas feitas por aplicativos.
Creio que uma rápida intervenção será necessária para que consigamos arrefecer esse aspecto que, por um lado, é positivo, por conta da atividade econômica, mas, por outro lado, impacta a própria saúde pública, que ainda se recupera da pandemia, considerando que os acidentes repercutem imediatamente em todo o sistema de atenção à saúde.
Quais vias o senhor considera hoje como um problema na Capital e por quê?
Em uma breve visita às principais artérias de Campo Grande, sobretudo, no horário de pico, nós percebemos diversas dificuldades de deslocamento dos condutores de veículos e dos ciclistas e com grave risco a pedestres.
Temos situações que são mais emblemáticas em Campo Grande, por exemplo, o caso da Rua Rui Barbosa, onde temos dividindo o mesmo espaço veículos de transporte coletivo e de transporte individual motorizado, o que agrava muito o uso da via.
Outra situação muito observada se refere à região da Avenida Três Barras, onde houve aumento e expansão significativa do setor mobiliário, com novos polos de atração de tráfego, que hoje se encontram colapsados.
Um caso bastante grave que temos são as ruas Júlio de Castilho e da Divisão, onde nós poderíamos ter uma situação de tráfego melhor com um ordenamento viário.
Uma expectativa que nós temos é de que, após as obras na Rua Brilhante e na Avenida Bandeirantes, essa solução possa estimular o uso do transporte coletivo e a redução do volume de transporte individual, melhorando a condição dessas duas importantes artérias.
E quais vias hoje são um modelo de qualidade no trânsito e por quê?
Campo Grande não tem uma via que se destaca como modelo, todas têm aspectos positivos e negativos.
E em alguns locais, os pontos negativos são acentuados. Há uma expectativa muito grande em relação aos corredores que serão implementados na região oeste da cidade, na Rua Brilhante e Avenida Bandeirantes.
Talvez nós consigamos assistir naquela região da cidade a um estímulo do uso do transporte coletivo, com redução do tempo de viagem do bairro até o Centro e do número de veículos de transporte individual.
Poderíamos ter condições consideradas aceitáveis na Avenida Eduardo Elias Zahran, onde o índice de acidentes proporcional ao volume médio diário de veículos é pequeno, também representado na Avenida Júlio de Castilho, mas, para isso, é necessário que na Júlio de Castilho haja uma adesão por parte dos usuários à sinalização implantada, para que se permita o trânsito de veículos de transporte coletivo, mas em uma condição de harmonia com as necessidades daquela via.
Em comparação com outras capitais, como o senhor avalia o comportamento dos condutores no trânsito de Campo Grande? Quais fatores o senhor atribui ao aumento dos acidentes?
Os condutores de Campo Grande não se diferenciam muito dos condutores das outras cidades com o mesmo padrão da nossa.
Em todas elas, observamos a presença significativa de condutores com comportamentos inadequados no trânsito, tanto de ciclistas quanto de motociclistas e motoristas de carros.
Tanto os condutores com boa formação quanto os com formação ruim são sensíveis ao ambiente externo. Isso significa que a qualidade da via, a sinalização correta e a infraestrutura também interferem em seu comportamento.
É importante, sobretudo, que os órgãos responsáveis pela infraestrutura local tenham um foco naquilo que chamamos de operação de tráfego.
É preciso uma humanização do trânsito, não basta apenas que a via esteja bem estruturada e sinalizada, é importante que o condutor se sinta destinatário dessa infraestrutura, e isso você consegue por meio de operações de tráfego bem planejadas em que os agentes de trânsito consigam interagir com os usuários.
A Capital tem pontos de tráfego lento em alguns pontos da cidade, principalmente próximo de rotatórias que recebem fluxo intenso de veículos e nas avenidas principais, como a Afonso Pena. Há meios de agilizar o trânsito nesses locais? Quais as soluções?
Há diferentes estratégias de intervenção em pontos que já estão colapsados. As interferências mais usuais são aquelas referentes à engenharia viária, com a implantação de sinalização adequada, recuperação da via e alteração em seu traçado e uso.
Uma outra estratégia interessante é retirar do local o polo de atração de tráfego, ver qual a possibilidade de transferir daquela região a atração que atrai muito tráfego.
Claro que isso é feito a médio e longo prazo. Muitas vezes, trata-se de escola ou universidade, e seria mais interessante transferir essa unidade para uma região menos conflituosa.
Entre as diversas alternativas, também se pode desviar o fluxo daquela região, buscando rotas alternativas para desafogar o trânsito, sobretudo, em horários de pico.
Muito se cogitou sobre viadutos em alguns pontos de Campo Grande. Essa realmente seria a melhor solução para as regiões da Via Parque e a rotatória da Interlagos, por exemplo, já que daqui há 10 anos devemos ter uma frota de veículos ainda maior que a de hoje?
Nos últimos 20 anos, nas vezes em que foi colocada a possibilidade implantação de viadutos em nossa cidade, houve um argumento que sempre prevaleceu: o altíssimo investimento financeiro para a construção dessas obras e uma eventual degradação da área de seu entorno, deteriorando o valor imobiliário da região em que seria implantado o viaduto.
Nós observamos que esses argumentos foram válidos por diversas vezes, mas, em cidades com porte semelhante ao de Campo Grande, como Cuiabá, Londrina e Goiânia, essas intervenções, essas obras de engenharia de arte, em dado momento, justificaram o custo-benefício.
Nós temos casos específicos aqui na Capital, como o contorno rodoviário da BR-163, onde a falta de condição de acesso adequado acaba criando transtornos aos moradores da região e aos usuários da rodovia, gerando, como consequência, graves acidentes.
Chega um momento em que o porte da cidade exige essas obras de engenharia de arte, por vezes apresentadas como viadutos e alças de acesso, e outras soluções de engenharia viária.
Neste primeiro trimestre, nós tivemos mais mortes no trânsito de Campo Grande em comparação ao mesmo período do ano passado. Nesse mesmo recorte, tivemos menos multas aplicadas e uma redução de 425% de carteiras suspensas. A repressão ao condutor ajuda mais a reduzir acidentes graves?
Nós estamos assistindo uma retomada das atividades econômicas e, como consequência, temos o aumento de veículos e de conflitos e acidentes de trânsito.
Essa estatística acompanha essa realidade. Por outro lado, durante os anos de pandemia, alguns dispositivos alargaram o tempo de imposição de penalidade, permitindo a ampliação dos prazos recursais por parte dos condutores indicados como infratores.
Temos outro fato: o aumento do número de pontos necessários para a suspensão da carteira de habilitação para os motoristas profissionais de 20 para 40 pontos.
Talvez essas duas medidas tenham sido responsáveis pela redução momentânea no número de processos para suspensão de CNH.
Entretanto, temos que levar em consideração que a imposição de penalidades deve ser tratada como uma última intervenção antes dessa medida.
Para a redução do número de acidentes e conflitos de trânsito são utilizadas outras estratégias, como o fortalecimento das vias de trânsito, a melhoria da sinalização e a intervenção no traçado das vias.
Outra medida que tem o cunho de caráter permanente são programas de educação de trânsito, que devem ser levados para além dos cursos de formação dos condutores – para empresas, escolas, universidades e campanhas nas vias públicas –, intervindo diretamente no comportamento dos motoristas.
Em último caso é que entra a imposição de penalidades, com intensificação da fiscalização, operações e blitze nas vias públicas. Algumas vezes, apenas o aumento da imposição de penalidades não terá como resultado esperado a diminuição do número de acidentes.
A maioria esmagadora das mortes no trânsito na Capital é de motociclistas. O que podemos fazer para reduzir esses números e dar mais segurança aos condutores? Como as medidas preventivas e campanhas de conscientização e fiscalização podem ajudar neste sentido?
Devemos considerar ainda que o condutor de motocicletas, esse que se envolve em uma frequência cada vez maior nos acidentes de trânsito, desloca e circula em um ambiente considerado hostil. Por vezes, a sinalização não é adequada em cruzamentos, por exemplo.
Na realidade, é necessário um conjunto de ações para que possamos reverter essa tragédia que são acidentes envolvendo veículos de duas rodas
Para o senhor, uma frota de mais de 600 mil carros em Campo Grande deve causar estrangulamentos no trânsito a médio prazo?
Nós temos que observar que são dois fatos que poderão conviver de maneira adequada: o aumento de frota e a infraestrutura viária para absorver essa demanda.
No entanto, quando esse aumento de frota e acidentes se tornam significativos, é importante recorrer a medidas que vão mitigá-los, como a oferta de transporte coletivo.
Essa é uma alternativa que pode diminuir o aumento vertiginoso da frota de veículos nas vias públicas e permitir uma condição de mobilidade urbana adequada. Outra solução é distribuir pela cidade os órgãos públicos de mesmo serviço para diminuir os deslocamentos.
Como o senhor avalia a oferta de transporte público na Capital? Campo Grande tem a capacidade de oferecer outras alternativas de locomoção além do ônibus?
O transporte coletivo de passageiros tem se apresentado de forma insatisfatória em todas as cidades brasileiras. Há um debate permanente, inclusive quanto à possibilidade da extinção das concessões e da retomada da gestão pelo setor público.
É necessário um planejamento para que se consiga absorver um aumento dos usuários do trânsito e diminuir os conflitos.
Algumas medidas são consideradas satisfatórias, como a implementação dos corredores de ônibus, que reduzem o tempo de viagem e conseguem transportar um número maior de pessoas.
Precisamos pensar em estratégias para o futuro, com menos carros nas vias e veículos de transporte individual motorizado.
Como consequência, teremos mais calçadas e espaços livres, mais praças e menos poluição, esses fatores são preponderantes para o que chamamos de melhoria de qualidade de vida.
É necessário que se crie novos terminais de ônibus, além da melhoria na infraestrutura dos atuais, para um número maior de usuários utilizar o transporte.
Fonte
Correio do Povo
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