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| Postado em 31 de março de 2025 às 8:38

Mototáxi em São Paulo: Decifra-me ou te devoro

Mototáxi em São Paulo: Decifra-me ou te devoro

A proposta de implementar o serviço de mototáxi em São Paulo, impulsionada por empresas de aplicativos, surge como mais uma aparente solução em uma cidade marcada por problemas históricos na mobilidade urbana. No entanto, essa proposta poderá resultar na ampliação do custo social, aprofundando desigualdades e colocando vidas em risco, principalmente de pessoas negras, pobres e periféricas.

A motocicleta, sem dúvida, é um meio de transporte mais barato e ágil, especialmente, no trânsito congestionado da cidade de São Paulo. Contudo, o preço dessa agilidade pode ser a segurança dos passageiros e condutores. Isso porque, de acordo com os dados da Infosiga[i], nos últimos 5 anos ocorreram 1.548 sinistros fatais envolvendo motociclistas, sendo o grupo com maior incidência e totalizando quase um terço dos óbitos. Somente no ano de 2024, ocorreram 454 óbitos de motociclistas, o que representou 35,5% das mortes no trânsito paulistano, com um aumento de 20% em relação ao período anterior. No site da Tabnet da Prefeitura de São Paulo[ii], que disponibiliza dados raciais, verificou-se que, em 2024, os sinistros fatais dos negros foram 17% superiores aos dos brancos. Ou seja, a expansão do mototáxi poderá intensificar essa situação, agravando a vulnerabilidade daqueles que mais dependem de transportes coletivos mais acessíveis.

Diante desse contexto é preciso perguntar: quem será induzido a utilizar e trabalhar com o mototáxi? A população periférica submetida a uma mobilidade precária, baseada em um transporte coletivo lotado, caro e com elevados tempos de deslocamento, poderá enxergar no mototáxi uma alternativa viável, quando, na realidade, representará um aumento dos riscos aos seus deslocamentos. Do mesmo modo, a estrutura socioeconômica poderá empurrar muitas pessoas para o trabalho de mototaxista. Esses trabalhadores, muitas vezes negros e oriundos das periferias pobres de São Paulo, enfrentarão jornadas exaustivas, sem garantias de direitos trabalhistas e sob constante exposição ao risco de sinistros com vítimas fatais.

Neste sentido, a disseminação do mototáxi pode ser compreendida por meio do conceito de necropolítica, desenvolvido pelo filósofo camaronês Achille Mbembe[iii], entendido como exercício de poder sobre mortes racializadas, típico de sociedades colonizadas pela escravidão, que define quem pode viver e quem deve morrer. No contexto do mototáxi em São Paulo, a naturalização dos riscos e a falta de regulamentação efetiva podem ser interpretadas como um mecanismo que expõe seletivamente certas populações – os pobres, negros e periféricos – a uma maior vulnerabilidade de sinistros fatais no trânsito.

Essa racionalidade de poder, estruturada em uma lógica neoliberal, produz um discurso de verdade, ao promover a ideologia do empreendedorismo e a ilusão de liberdade irrestrita, obscurecendo a condição precária desses trabalhadores por aplicativo. Esse discurso, enraizado em uma herança escravocrata, dificulta a consciência de classe desses trabalhadores e o reconhecimento da legitimidade de seus direitos. Neste sentido, os mototaxistas, assim como outros trabalhadores por aplicativos, sem vínculo empregatício, sem garantias e sob pressão para realizar o maior número possível de viagens, serão empurrados para a informalidade e exposição constantes a riscos inerentes a esta atividade. Além disso, o serviço de mototáxi poderá contribuir para desestabilizar ainda mais o transporte coletivo e, por conseguinte, prejudicar a viabilidade de sua operação. Já as empresas de aplicativos, avessas a qualquer tipo de regulamentação e movidas pela lógica do lucro, não demonstram um efetivo compromisso social com a prestação de um serviço essencial de forma segura e confiável.

Desse modo, a implementação do mototáxi em São Paulo está longe de ser uma solução para os problemas de mobilidade. Na verdade, poderá aprofundar essa problemática histórica na cidade, aumentando as desigualdades e a vulnerabilidade de certas vidas humanas. São Paulo precisa de alternativas que promovam a mobilidade justa, segura e acessível para todos. Cabe à prefeitura investir e à sociedade civil pressionar por melhorias no transporte coletivo e ativo, garantindo a implementação completa e democrática no território de políticas de tarifa zero, assegurando o transporte como um direito social e não uma mera mercadoria, promovendo assim o espaço do cidadão[iv], como pensado pelo geógrafo brasileiro Milton Santos. O mototáxi, portanto, é um desafio a ser decifrado antes que devore aqueles que dele podem depender.

Fonte
Diplomatique



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