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Os riscos de ampliar validade da CNH para idosos

As pesquisas científicas ao longo dos anos nos mostraram que o envelhecimento é um processo natural de transformações fisiológicas e estruturais no corpo e na mente. Cientistas se debruçaram em estudos para mostrar como o corpo humano reage com a ação do tempo. Algumas das mudanças apontadas são a perda gradativa da visão e audição, deficit cognitivo e o surgimento de doenças neurológicas.
Algumas dessas alterações, como a redução da visão e da capacidade de atenção, interferem diretamente no ato de dirigir. A direção envolve um complexo processo de interação das funções psicológicas e cognitivas: memória, atenção e tomada de decisão. O envelhecimento, por sua vez, reduz a função cognitiva, dificulta a análise de situações, tomada de decisões e tempo de reação, reduzindo, portanto, a capacidade de dirigir de forma segura. Não sou eu quem diz: é a ciência.
Por isso, entidades que trabalham com segurança viária reagiram com preocupação à nova sinalização do Governo Federal de aumentar a validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para motoristas com até 75 anos de idade.
A medida vai na contramão da ciência e de estudos internacionais e tem o potencial de ampliar os riscos de sinistros de trânsito. Em um país que tem 80 mortes por dia, os resultados podem ser desastrosos. Por causa das razões acima numeradas, o acompanhamento da saúde dos motoristas idosos, por meio dos exames médicos durante a renovação da CNH, deve ser mais frequente e em um espaço de tempo menor que o de um motorista de 30 anos, por exemplo.
O trânsito é um ambiente repleto de informações: pedestres, outros veículos, congestionamentos, sons, imagens e obstáculos repentinos. Nesse contexto, a atenção é um dos quesitos essenciais para o motorista. E a falta dela é um dos maiores causadores de sinistros de trânsito.
Quanto maior a idade, menor a capacidade de atenção e de processamento das informações. Além disso, aumenta a incidência de catarata, maior causa de cegueira em países como o Brasil, seja pelo processo natural de envelhecimento da população ou pela coexistência de doenças como diabetes.
Por isso os exames realizados por médicos peritos especialistas em tráfego são indispensáveis na detecção precoce e no acompanhamento de condições que comprometem a capacidade de conduzir veículos em segurança. Vale lembrar que, conforme a Lei 14071/2020, o tempo de validade da CNH estará diretamente relacionado à condição de saúde do motorista, e não somente à idade, podendo esse prazo ser reduzido a partir da conclusão do exame pericial de motoristas e candidatos a motoristas.
Sabemos que 90% dos sinistros de trânsito são provocados por falhas humanas. Por isso o acompanhamento de saúde física, mental e psicológica dos motoristas em menores intervalos de tempo comprovadamente salva vidas no trânsito do Brasil. Desprezar a ciência, mais uma vez, pode custar muitas vidas.
*Alysson Coimbra é médico especialista em Medicina do Tráfego e diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego
*Imagem: Fonte – JD1 Noticias